Resenha
“Passos ao redor do teu canto” por Raquel Naveira
A
citação de Osman Lins, que abre o livro Passos ao redor do teu canto, de M.
Carolina De Bonis, começa assim: “O que repousa invisível, sob nossos passos:
colunas, deuses esquecidos, tíbias ancestrais, minérios, fósseis, impérios em
silêncio.” Estão aí as pistas por onde percorrerão os passos dessa poeta
andarilha, cujo périplo sempre a fará retornar à sua morada interior, à sua
casa, à sua ilha de Ítaca.
Aonde
levam afinal os nossos passos? Quando entramos, por exemplo, num teatro pela
porta do fundo procurando saber o que se oculta atrás do palco, das encenações,
dos bastidores, o que encontraremos? Essa é uma busca de mistérios perdidos nos
labirintos da memória.
Tudo
está a “dois passos do que tem sido”. Momentos entre portas abertas, entre dois
polos. Entre a infância e a maturidade. Entre a primavera e o outono. Entre a
areia e o mar.
No
poema que dá título ao livro, M. Carolina escreve: “Os amores se insinuavam aos meus passos”. Passos que
trazem perdas secretas. A alma anseia sempre pelo regresso: “Voltaríamos para a
casa seguros./ Haveria volta nessa mesma hora/Haveria casa nessa mesma hora.”
Lindo.
A
poeta assume que os passos, embora firmes, são frágeis, caminham por pedras
indiferentes. As nuvens ficam nuas enquanto ela ouve “música de pisares” e
atravessa, ao viés do vento, como uma bailarina na ponta dos pés, entre capim e
lírios.
Há
fixação pelo espaço branco nunca antes palmilhado, pelas espumas e malhas
fluídas das cascatas nos rios, pelo deserto, pela fronteira, pela outra margem,
pelas casas onde morou na cidade, tão urbana e selvagem
Uma
palavra para o projeto gráfico, diagramação e ilustrações de Leonardo Mathias:
mandalas poderosas, marcantes, de flores, tambores, corpos humanos, filigranas
de borboletas em mão espalmada. O toque lilás sob contornos negros.
De
forma curativa, buscando o autoconhecimento, base de todo edifício espiritual e
a partir das palavras de Osman Lins, que pressente sob nossos passos o rolar
das estações dentro de uma estação mais ampla, M. Carolina De Bonis faz uma
caminhada ao redor de seu canto. Vai para fora do dia, desperta do sono, em
busca de perenidade e de feridas cicatrizadas em sua vida e na arqueologia de
seus antepassados. Funda gerações.
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