A PERIGOSA POESIA
MOVEDIÇA DE MARIA CAROLINA DE BONIS: “PASSOS AO REDOR DO TEU CANTO”
Por Alfredo Monte
Levei
um susto quando li os primeiros versos de PASSOS AO REDOR DO TEU CANTO (Editora
Patuá): “Entrar no teatro pelas portas dos fundos/Esperar até que cortinas se
fechem/Sentar-se numa cadeira detrás do palco/Baixar os olhos e soletrar um
verso/Heroico com as formas de adeus”.
Pareceu-me algo decalcado do universo da grande Wisława Szymborska,
Nobel de 1996, bastante em voga por aqui, pelo menos nas redes sociais (daqui a
pouco, provavelmente surgirão os apócrifos).
Mas
era um equívoco, pois Maria Carolina de Bonis apresenta uma voz poética muito
própria, exercitando uma poesia “entre duas portas”; (“É cíclico o caminho”; o
título já indica esse movimento). Ela parte de um estar-no-mundo, na casa, dos
móveis, enfim nas coisas, regredindo a estágios minerais e vegetais, procurando
“a origem ágrafa”: (“Chega a hora de nos tornarmos eternos/Como se fosse estranho
envelhecermos”); são muitas as imagens de florestas, semeadora, colheita,
algas, pedras, grutas, e às vezes temos uma impressão de imagens que se colidem
desarmonicamente. Também é preocupante esse “olhar de exílio”, com que dispensa
as camadas mais próximas da realidade: (“Vivo/onde as moscas contornam/minha
ausência”).
Ao
final de PASSOS AO REDOR DO TEU CANTO, nos damos conta de que ele foi pensado não como reunião
de poemas, e sim como um livro, o que absorve todas as supostas desarmonias;
além disso quanto ao exílio, um diálogo latente perpassa todos os poemas, e ela
nos sugere que margens, contornos, estão para ser transbordados e extrapolados:
“Sou o contorno do testamento das pátrias/O desterro gutural dos nômades/Gruta
movediça que nem em pedra cristaliza/O opaco do chão de terra batida//E uma
aldeia para que pudesse inaugurar/Os lugares onde não estou/Soa além do
contorno do cão/A invenção da sinceridade”.
Portanto,
temos um contra-dizer: “Dizer está sempre fora do que dizemos/o ato se reproduz
em deslocamentos/volta antes e me encontro depois/a língua se desdobra fora do
contorno ao redor/dos teus lábios lentamente ao redor da sala meus passos”; ou
ainda: “Eu não sou o que digo/Mas é como se fosse”; mais um exemplo: “A ida
será um regresso/Desse lado, avesso/Do traço em linhas do excesso//Os contornos
da carne/Habitando os limites do corpo/O gozo da terra/Teu corpo, agora/Nos
guizos do vento”.
Uma
das viagens literárias mais interessantes dos últimos tempos é acompanhar Maria
Carolina de Bonis, em suas aventuras “Dos fios que se perdem dos fios/Que se
atam”. Tomara que o fio que seguirmos
não nos leve para as conclusões inquietantes de Teu retrato: “Hoje meu espelho
está vazio//Apanha-me em relances/Conjuga-me em silêncio/E soletra as placentas
recolhidas//Ao canto do deserto/Na mesma margem/Que caminha a/Semelhança
secando/Meus contornos”.
Alfredo Monte - Blog literário
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