segunda-feira, 31 de julho de 2017

lugar algum, em algum lugar

 

Vinha sem aviso, tarde quente, debruçava o olhar
manso e morno para o inesperado da íris em rasgos
claros derramava como se abrissem as câmeras
das folhagens rupestres das aldeias dentro das pernas
varanda de dentro ou de fora um exílio aquela paisagem
toda, os ventos do leste afastavam as roupas do varal,
e esperava era só isso, as armadilhas dos verbos
não fazia nada além de esperar

(numa noite deu-se a previsão vieram uns homens
seguravam forte em seu braço e disseram que era
pra ficar ali, para ficar ali, entre o branco e o silêncio).

Deixava as coisas ilustres para depois
como se separasse cartas de um mesmo baralho
por algum critério aleatório de desavença oracular
ou como se ouvisse a voz que ecoa, oráculos pela casa
reza antiga, mandinga no quintal, separe essa depois
esta esperava a sorte mansa como alguma cadela manca
espera algum resto ao que fareje.

Hoje, vieram-na buscar, azulejos frios
disseram que era só esperar que se quisesse
era só deitar ali mesmo. Deitar no chão e esperar.
Da forma como os feijões puídos
foram separados de outros numa seleção
tão digno ou menos digno,
saber que podemos ao outro destino

Feito bicho amainado amansado
a memória traz as provas
rasgar um pedaço de dia
esquece para não lembrar.

Javier sabia das coisas


 

Alguém deveria saber que Javier sabia
das coisas o menos importante
decifrava as pequenas equações para o sol
criava o que sentia por excessos
diria as imagens devem morrer de nós antes
de atravessarem o poema da obsessão enxurrada
das águas o quanto a relva e os musgos
a outra dimensão dos seres
são para a morte do olhar
o que afundar o mergulho
para a morte do corpo.
Sabia se incumbir de desculpas dessas que também
carregamos sem a mínima intenção.
mas quando disse apenas com um olhar
que Matilda via seres que tinha nas mãos o
pouso de pássaros migratórias
para residência basta
um olhar um levantar das mãos brancas finas,
Percebi que algo soava muito sério em sua personalidade.



A imagem pode conter: sapatos
Foto: Atsushi Fujiwara

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Quando os campos imaginassem cavalos


 

 

Quando os campos imaginassem cavalos

 
Antes ou enquanto soluça o abismo temporal
não decifro do verbo nenhuma escolha
no fim um script sem a precisão
dos campos que imaginam cavalos
caminhantes no chão de abismos cavados
sem a destinação de um mapa que apontasse essas terras
um mapa que apontasse um desenho que evoca
ao tempo das crinas de vento perdendo terras
enterram guerras na direção do futuro.

 
Enquanto soluça ao abismo temporal
ou quando os campos imaginassem cavalos
no mesmo estado de mansidão pássaros
imaginam pousar sobre esses cavalos
imaginam esses em pedras onde gerânios
cobres cobrem interlúdios de pousos.

 
Primeira lição de casa: passa um estilete
nessa ilha de comunidades indeterminadas
específica e trêmula corteja às voltas
num mapa de cotidiano e carne tudo
onde fronteiras sangras ainda anota
com traços mansos cavalos sonhados.
Os cabelos ao vento nessa aceleração contínua
Sem finalidade. Antes que rasgue mais um minuto de meu dia
Antes que parta por aquela porta, pela qual
chegaste à ordem propícia para as trocas
aqui são meus passos que circunscrevem as aldeias.

 
Algumas terras imaginam personagens que morreram
em mim. Nesse abismo temporal, viro
vilã permaneço viva? Escreve
tudo vaga ao menos por duas possíveis soluções
nunca fui prisioneira de Proust, eu e o narrador
não somos um blefe.

 


A imagem pode conter: desenho

                     Salvador Dalí
                     L´ Etalon blonc - 1973





Alguns homens em seus cavalos trazem relatos de viagens
a essas terras peço que suas falas confunda-se com a música
alguns homens de viagens trazem cavalos de suas viagens
peço que nessas terras imaginem músicas
em todo campo algodoeiro caminhante mentalmente
trazem também inutensílios de fogo
e penso que magma seja a mitologia que se atira
longe para que dentro de todo labirinto de Teseu
a casa se componha em redes que esses adormecem
até eclipsar-se porta afora veja somente são as terras
a promessa de virem para que os campos imaginem cavalos
e aponte no mapa sempre a mesma região.
 
 
 



Modular a tarde


Vê-la imóvel retendo a fina membrana
aspirando cristais na fala
do mesmo desejo orgânico

Faz-se casulo o arco
quando aquieta o tórax
do pássaro na memória

canta frestas do espaço
molda e deforma dual
o crânio seco das pequenas

pétalas ainda sem relíquias
de antepassados não testemunham
o ser que carrega a cidade
em seu ventre.

sábado, 8 de julho de 2017

Jardim do sótão




 
Você evita o rumor dos automóveis silenciando aos corações
fecha as janelas, porta-se como quem aprende

a respirar lentamente, enquanto digo - são todas percepções
do mundo - queríamos o que concentra para que seja
silêncio você ainda paira num embrião misterioso,
pesca do olhar a placenta dos mergulhos mais profundos

Eu às vezes me aproximo dos sinais desencontrados
no meio da rua, numa cidade sem avisos parto,
não me peça, desfaço, corpo teatro mudo de cores
só pergunto: brisa salgada qual terra a mover teus pés?
As patas de mamíferos gigantes, você responde --
parece assim que entramos numa espécie de acordo?


As ilhas mudaram de lugar após a explosão
alçam alguns sinais para um futuro de poemas bélicos
As peças não encaixam no antigo quebra-cabeça
as migalhas do que ficou no ar saboreiam os dentes
de deus eu também tenho-o e suas mãos
ao pousarem nas pedras frias sentem qualquer interlocução?


Você responde, seus olhos parados agora
desaparecem feito a profusão de estrelas que perderam
seu brilho. Noite nenhum porto espelha o céu,
não conte, mas não há imagem pronta para a vida essa
agitação monótona.


Automóveis partem sempre para a chegada
somos esses espectros que caminham para trás?
Embandeiram as chegadas dos desejos mais longínquos
em sanguíneas manchas de mar no corpo

Evitamos os paquetes num apito em retorno
a cidade antiga em que Whitman atravessa
dentro do caminho seguido sem lei
Dentro do coração um pátio próprio para a fuga
Te falaram algo? Como se caminha dentro do poema?

O verde das folhagens confundido com o verde dos olhos,
não importam mais. Nada mais importa, se gastos
estávamos subtrai-se ao que permanece
pelas ruas coloniais,
estaríamos vivos na sombra de nós
entre os passos inventou-se uma saída p

ara os esquecimentos e não havia
mais para onde se ir.


Antes de haver as conspirações com o tempo

Antes de haver conspirações ao tempo
cantos veneráveis pousavam
morada abstrata de Saturno
onde tudo fosse relativo
o outro lado talvez nos espreitasse em sua concretude.
Os segredos encolhiam-se aos pés nas areias
- o mar inteiro dentro da voz - Se venho,
de uma espécie terrestre, é por conhecer a terra
se me confundo com as ostras é
por guardar demasias de sentimentos

numa longa história de furtos as montanhas
E sei que você será como um vulcão
para atar-me aos ares
e que a minha tristeza pode ser
uma pedra a lapidar

da presença do mundo
da crueldade dos seres
microscópicos vivendo em bando.

Por osmose minha pele na tua
como minha mão na tua ou todas
as palavras impuras pronunciadas e também

as não pronunciadas que habitam 
a garganta outras os gestos e outras
ainda os olhares. Viver pode ser isso.

uma espécie de existência contra
as inquietações

Assim os bichos de erguem, saem
calmamente do casulo:
uma explosão
antes o tempo cíclico

bem vivesse dentro do sol
A gôndola da brisa fosse
imensa a desfazer o instante

iniciático ato de vida.
Seus moinhos de vento a respirar
como se a vida mesma
se surpreendesse em sua mesma
existência de viver –
Atravessada a infância com os pés
no chão barro vermelho
por esse caminho
não tivesse compasso para medir

um quadrado que coubesse
na lua, só depois eu inteira desaparecendo

no tempo. E quem sóis?  
Foi o tempo
o vento o cisne dos olhos
um atlas para o avesso do corpo
nos poros da pele rachadura
que finca seios bélicos
ao anúncio do prepúcio.
Não sei se em preto ou branco
névoa que encolhe o real
só sei que se me
perguntasse sobre o amor
teria respostas, mas talvez não
soubesse mais o que fazer com elas.
Porque as conspirações
são sempre guerras silenciosas
e se te roubaram o tempo
é por que jamais ele
houvesse lhe pertencido
Ou por que se não sabes
o caminho sou eu que refaço
sempre o mesmo laço
com a proa apoiada na amurada
para trás – despedidas a terra
sendo aquática – gira a manivela
para falar, desta vez, de humanidade. 

Uma primavera fria para Bishop

O mapa Terras nômades o cajado da cultura não lhe circunscreve o contorno sua natureza singela soa algas nos olhos a pronún...