sábado, 20 de junho de 2020

Jardim do sótão



Jardim do sótão

evito o rumor dos automóveis
aprendo a respirar lentamente
o corpo desfaz-se pelos sete guizos do vento
a pergunta: qual terra a mover teus pés?
eu atravesso lenta pelo deserto
você entra em países que roubam tua imaginação
as ilhas mudam de lugar após a explosão
os sinais elétricos pairam acima de um poema bélico.

o rumor silencia o coração?
as estrelas perderam seu brilho, profusão de luzes
civiliza-se em procissão dos náufragos
embandeirando mares em sanguíneas manchas
o mar no corpo: paquetes apitam retorno.

Ouço Walt Whitman que sai a caça
de que meus olhos
não alcançam, com um giro abarca os caminhos
rarefeitos traduz às folhagens
o entender do irreal do corpo.

desfeita na dança do tango a contorcionista
confundindo-se com o verde de seres
que habitam a dimensão das folhagens
confundidas com o verde dos olhos
que não importam mais para onde vão.

estaríamos vivos na sombra de nós
entre os passos uma saída
para o pensamento de irreconhecível
terras a mover um silêncio que detém
o que só o coração diz.


Poema da conversão anterior

toda a conversão anterior
uma margem de manobra para armar
antigos brinquedos anteriores
o lapso que me retrai antigo
sobre o esquecimento de caligrafias
flores mortas quatro ilhas de exílio
dentro e fora as vértebras
de um abandono sonoro de alaúde.

dele saber tão somente a perseguição
o núcleo de se saber inteira pertencente
na manobra que margeia
o que de mim se exclui.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

A escrita meio galopante


o eterno mistério:
do que fizemos hoje há um ano atrás
nesse mesmo dia, gravaram-se peles no ar
um vão abissal de perdas e pássaros
na respiração a diáspora do gesto
navios entre acenos
estranhas geometrias pairam
nas íntimas despedidas.

a escrita meio galopante
como se me faltasse no trote do ritmo
a lembrança de que sim:
Robinson Crusoé chama do primitivo dentro
quando exploro os caminhos
também me atrevo para trás, até o buraco
dos tempos coloniais, assim pronta,
faço uma canção para cinco séculos
andar a cavalo, cair no buraco
uma experiência sem retorno.

sim, inventar a linguagem primitiva
de uma colônia. Ser quem inventa
no cavalo os pensamentos do vento
para saber do misterioso caminho. 

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Para Frederico Garcia Lorca


Para Frederico Garcia Lorca

os vales escuros de Lorca
arabescos sentinelas silentes
o vento uiva quando se crê nas grandes crises
as forças telúricas do mundo
que estão fora do mundo do pensamento.
exercício do corpo a colocar-se de lado
do olho pousado numa nuvem
a fazer sombra no pátio de uma piscina
azulácea (nuvens azuis, o céu).

o hospital psiquiátrico mudava
pelo corredor verde claro
a sensação verde claro
da sensação de vida esvaia.
ela chega presa por uma camisa
que a prende nos braços chora
na enfermaria com cheiro eu penso
nas pessoas com seus corações
instáveis, penso no coração do filho
e do irmão e estou aqui querendo
transgredir além da dose
exata do desejo que penso que controlam
o que faz uma pessoa desobedecer?
o que faz uma pessoa obedecer?
eu penso no sol entrando frio
pela janela de um dia nessa cidade
eu penso como a luz se move
enquanto minha mente também se move.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Pequenas equações para o sol



Pequenas equações para o sol

algumas mulheres não sonhavam
em outra língua antes de nascerem
qual a melodia para a memória
qual a melodia para as armadilhas
da essência do retorno?
Do duplo caminho envolto da floresta
ela escolhia o lado de fora do delírio.
Ir pelo outro lado e fundir o dia na noite
ou a noite no dia. Fundir o fora no dentro
ou o dentro no fora. Fundir um círculo
noutro círculo e recolher na sombra das árvores
o som da fusão entre a madureza e o estio
de inventar uma saída nômade
para as pequenas equações do sol.

Quando o hipnotizador entra em cena


Quando o hipnotizador entra em cena

quando o hipnotizador entra em cena
basta acreditar em sua missão
para que todos fechem os olhos
se movam feitos peixes cardíacos
no mar agitado a atravessar a correnteza
no prenúncio do código:
o hipnotizador sempre observa
uma margem de manobra imensa
a natureza errada do poema
no absorver da seiva gasta sabe
das influências dos poetas
em sua veia homicida.
Quando o hipnotizador entra em cena
muda o poder dos pensamentos
como o regente da orquestra
inicia um concerto musical imaginário.

ele a faz pensar num poema a partir
da outra língua, ela pensa
no poema a partir de sua língua,
como quem traduzisse o personagem
como um outro a partir do que
se imbrica em seu cerne,
a composição instantânea corta a cena,
rasga a pele e sonha sem parar
até encontrar a rima correta.

sonha que mora dentro da caixa
de música, os corpos desabam
nos ouvidos visuais
o hipnotizador e a tradutora:
aprendem a passar desapercebidos
o contorno dos olhares perdem
seus invólucros de caligramas
escapam sempre mais fora do que dentro.
Já ter acontecido hipnotizar-se?

é uma cena quando o hipnotizadorentra.
Mas há alguém sempre
a duvidá-lo a interpelar a verdade do ato,
alguém que pensa em caminhos herméticos
ilhas, simulacros, grutas ou espelhos
no oculto desse momento
sem pressentir o que o levaria
à infância de um sentimento.

Da hipnose que transfere


Da hipnose que transfere

do alto você vê o que em mim cala
nos gestos do outro lado, não te vejo
somente simulacro ao que representa
alquimia das mulheres que guardam
a alma detrás do palco, para algum
script secreto, pescador de fundos falsos

experimentamos o palco para pura montagem
o tempo é real, mas os ângulos falsos.

quando do alto avista pássaros de asas leves
pensa que sou o que em mim está
passo perene como nas voltas
daquele prato de sopa que, certa vez,
vimos num restaurante tailandês
entre curvas claras as pessoas comem
os alimentos inexistentes com olhares quites
deliciam unidas um mundo de belezas ausentes.

o branco sobre o branco sobre o branco
sombras retas e uma mulher encostada no divã
uma curva real e um segredo fabricado.



Uma primavera fria para Bishop

O mapa Terras nômades o cajado da cultura não lhe circunscreve o contorno sua natureza singela soa algas nos olhos a pronún...